Tarifaço americano mexe com o mercado automotivo mundial

O recente tarifaço imposto pelo governo dos Estados Unidos, sob a liderança do presidente Donald Trump, desencadeou uma onda de reações no cenário global, sacudindo o setor automotivo e acendendo alertas inclusive no Brasil. Com tarifas (que vão e vêm em questão de dias) de até 25% sobre veículos importados, a medida visa proteger a indústria norte-americana, mas gera efeitos colaterais em cadeia que ameaçam abalar a produção, os investimentos e o equilíbrio comercial no setor automotivo mundial.
A resposta mais imediata veio da China, que retaliou restringindo severamente a exportação de minerais críticos — como ímãs e metais de terras raras — usados na fabricação de motores elétricos, chips e armamentos. Esses insumos, indispensáveis para a montagem de veículos, drones e outros produtos de alta tecnologia, agora só podem deixar o país asiático mediante licenças especiais, cuja emissão ainda é incerta. A medida já impacta cadeias produtivas nos EUA, onde montadoras como Ford, GM e Stellantis estimam um aumento de até US$ 108 bilhões em seus custos operacionais em 2025, segundo estudo do Center for Automotive Research.
Com a alta nos custos e o bloqueio de insumos, empresas como Audi, Jaguar Land Rover e Stellantis suspenderam exportações para os EUA ou paralisaram fábricas que abastecem o mercado norte-americano. O impacto vai além das fronteiras americanas: o México, maior exportador de veículos para os Estados Unidos, com 76% de sua produção voltada para aquele mercado, já sente os efeitos. Com a perspectiva de ociosidade em suas 37 fábricas, o país deve redirecionar parte dessa produção para parceiros comerciais próximos — como o Brasil, com quem mantém um acordo de livre comércio via Mercosul.
Esse redirecionamento preocupa a indústria automotiva brasileira. A Anfavea, entidade que representa as montadoras instaladas no país, teme uma “invasão” de veículos mexicanos, o que poderia desbalancear a produção local, reduzir investimentos e colocar empregos em risco. A entidade defende a adoção de cotas para limitar a entrada desses veículos, além da recomposição de tarifas de importação, especialmente para veículos elétricos chineses, que também pressionam o setor.
A situação se agrava diante da instabilidade na Argentina, tradicional parceira industrial do Brasil, que tem perdido atratividade como polo de produção. Montadoras como Nissan e Volkswagen já transferiram fábricas argentinas para o México, acentuando o risco de o Brasil perder duplamente: com menos exportações de materiais para os vizinhos e mais importações de veículos prontos.
O novo presidente da Anfavea, Igor Calvet, classificou o cenário como “amedrontador” e cobrou ações urgentes do governo Lula, incluindo regulamentação do programa automotivo Mover, elevação do imposto de importação e proteção à produção local. Se nada for feito, advertiu, os R$ 180 bilhões prometidos em investimentos para os próximos cinco anos podem não se concretizar.
A chamada “guerra tarifária”, que começou com um movimento protecionista, agora ameaça desorganizar toda a cadeia global de suprimentos e investimentos da indústria automotiva – e o Brasil, mesmo sem estar no centro do conflito, pode ser duramente atingido pelos estilhaços.